Liminar, que beneficia rede de farmácias, dá prazo de 60 dias para adaptação a nova portaria
Empresas do varejo decidiram recorrer ao Judiciário para poder abrir suas lojas em feriados. O motivo é a publicação na terça-feira, véspera do feriado da Proclamação da República, de uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego. Uma das primeiras liminares beneficia uma rede de farmácias, que está protegida pelo prazo de 60 dias dos efeitos da norma.
A portaria, de nº 3.665, passou a exigir do comércio negociação coletiva com sindicatos para que seus empregados possam trabalhar em feriados. Até então, eram necessários apenas acordos diretos entre patrões e trabalhadores para que as lojas pudessem abrir suas portas em domingos e feriados, conforme estabelecia a Portaria nº 671, de 2021.
Na Justiça, a rede de farmácias não questiona a validade da portaria, mas pede tempo para poder se adaptar. O pedido é fundamentado no artigo 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto Lei nº 4.657, de 1942). O dispositivo diz que normas que estabelecem interpretação ou orientação nova, impondo novo dever, deverá prever regime de transição. Com essa argumentação, a rede gaúcha obteve liminar favorável na 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, no plantão do dia 15, para continuar funcionando aos domingos e feriados por 60 dias, sem correr o risco de ser autuada.
Segundo a juíza plantonista que analisou o caso, Simone Moreira Oliveira Paese, “trata-se, a toda prova, de serviço essencial de acesso à saúde, tanto assim, que constituiu uma das exceções na época de isolamento social”.
Para a magistrada, a norma, de aplicação imediata, publicada “exatamente na véspera de um feriado nacional, sem discussão prévia, sem avisos à população que faz uso indubitável dos produtos ofertados e que serão sonegados a partir da portaria publicada sem planejamento especial, fere princípio caro à sociedade, causando surpresa e instabilidade, ofendendo princípios pessoais e relacionados à saúde pública”.
Ainda destaca, na decisão, que a rede conta com considerável quadro de empregados e mantém estruturas de trabalho baseadas em escalas. Esses fatos, acrescenta, justificam a concessão de prazo para que possa se adaptar (mandado de segurança cível nº 0021075-81.2023.5.04.0025).
De acordo com os advogados que assessoram a rede de farmácias, Natalia Serro Mies e Geraldo Korpaliski Filho, da área trabalhista do Souto Correa Advogados, a ideia foi entrar com uma ação preventiva para discutir o tema. Para eles, o que chama a atenção é que a portaria anterior foi modificada do dia para a noite e afeta setores que, por serem essenciais, foram os únicos que puderam ficar abertos durante a pandemia. A decisão, segundo os advogados, dá mais segurança jurídica, uma vez que não houve prazo para a entrada em vigor da norma e para que os acordos com os sindicatos possam ser negociados.
Com a liminar, que vale para o Rio Grande do Sul, acrescentam, não há risco de a rede ser autuada por lá. A rede também ajuizou ações em São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Em São Paulo e no Paraná, os pedidos foram negados. Os advogados afirmam que devem recorrer das decisões. Em São Paulo, o caso foi analisado pela juíza substituta Camila Franco Lisboa Coelho, da 41ª Vara do Trabalho de São Paulo.
Ela entendeu que não haveria risco de autuações porque existe a determinação expressa de realização da dupla visita da fiscalização em casos como esses. A auditoria fiscal do trabalho, segundo ela, não pode multar em um primeiro momento, apenas orientar (processo nº 1001705- 08.2023.5.02.0041). Na 9ª Vara do Trabalho de Curitiba, a juíza substituta Flavia Daniele Gomes também negou o pedido, por entender que o caso dependeria da apreciação da legalidade da Portaria nº 3656/2023, o que não é possível com o meio escolhido. Ainda afirma que “a portaria não é, a ela, dirigida de forma específica, individual, ao contrário, o ato cria regras gerais e abstratas, de forma impessoal” (processo nº 0001304- 30.2023.5.09.0009).
De acordo com o advogado Luiz Felicio Jorge, sócio trabalhista no Urbano Vitalino Advogados, a entrada em vigor da norma de forma imediata traz um grande impacto para os setores envolvidos. “O prazo dado na liminar de 60 dias é razoável”, diz. Ele afirma que está preparando um pedido semelhante para uma associação do comércio varejista. “Estamos preocupados principalmente com o Natal.” Por nota a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) diz que ainda não há definição sobre a possibilidade de ajuizamento de ação judicial.
E que, “diante das avaliações feitas, não parece que a Lei nº 10.101, de 2000, que trata do comércio em geral, se aplique ao varejo farma, haja vista que farmácia atualmente é estabelecimento de saúde e não comércio puro e simples a necessitar de acordo sindical para funcionar”.
A entidade acrescenta que as leis que tratam do setor (nº 5.991, de 1973, nº 13.021, de 2014, e nº 7783, de 1989) reconhecem a farmácia como atividade essencial. “Nessa linha, não é crível que se possa proibir a abertura de farmácia no feriado, bastando lembrar o que aconteceu na covid (farmácia como atividade essencial)”, afirma.
Também por nota, o Ministério do Trabalho e Emprego informa que a Portaria nº 3.665, de 2023, tem como objetivo adequar a Portaria nº 671, de 2021, ao texto da Lei nº 10.101, de 2000, a qual trata somente das atividades de comércio em geral. “Isto porque os itens da Portaria 671 sobre trabalho aos feriados eram ilegais, visto que alteravam o disposto na Lei 10.101. Uma portaria não se sobrepõe a uma lei e – por esta razão – o Ministério revogou este artigo”, afirma.
Ainda segundo a nota, o Ministério reitera que se trata de “justeza da promoção da negociação coletiva”. E que a portaria atual corrige uma ilegalidade. Mas que “em nada altera o que acontece hoje com o trabalho aos domingos”.
(Fonte: Valor)